quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Passividade

Está quase a chegar
Sinto-o na madrugada
Ninguém me vai salvar
Nem a fé santificada

Não deixo de sonhar
Mas sonho com o ele
Ninguém me vai salvar
Sinto-o na pele

Faço por continuar
Mas temo o pior
Ninguém me vai salvar
Nem o maior salvador

Fico aqui por ficar
Sem finalidade
Ninguém me vai salvar
Nem a autoridade

Não paro de pensar
Mas paro de fazer
Ninguém me vai salvar
Nem um poder qualquer

Passada é passado

É difícil enterrar o passado
Fica em nós, debaixo da pele
E deixamos que fique pesado
Quando pensamos demais sobre ele

Embora tenha tudo acabado
Os nossos corpos ainda sentem
Mas nenhum peixe é pescado
Nas águas que passaram ontem

Nenhuma mágoa é esquecida
Em dias antes do hoje
Mas saber esquecer a vida
É arte que ainda nos foge

Vou deixar tudo para trás
Para abrir a porta da frente
Só assim vou ser capaz
Empurra o sol para poente

Rasgar com este tormento
Remoros e culpas não
Fim do arrependimento
Consagrar a contrição

Depois de assimilado
Qualquer segundo é demais
O passado é só passado
E nada, nada mais

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Abismo

Não entres no abismo profundo
Onde perdes quem foste uma vez
Não faças de mim vagabundo
Sem norte ou sensatez

Irás cair para sempre
Para sempre infinito e só
Sem que alguma luz entre
No abismo vazio de dó

Irás procurar as paredes
Que de certo lá estão
Mas as pedras frias que pedes
São feitas de escuridão

E na mais pura aflição
Só te restará desistir
Irás pedir mortal chão
Mas continuarás a cair

Ouve o que já vivi
Ouve o que te antevi
Sabe que o eterno abismo
Sem ponta de cinismo
Espera um deslize de ti

terça-feira, 12 de julho de 2011

Asas

A maldição do saber que é possível voar
E do ostentar estas asas em vão
É ainda maior que a dor de ficar
No triste rastejo no lixo do chão

Mais vale apagar a dor de saber
Cortando estas asas, mero ornamento
Ninguém quer o peso na alma de as ter
Sem poder abri-las e dá-las ao vento

Voar é para todos, mas só voam poucos
Imunes por sangue às corrente de ferro
São muitos os que nas cordas estão roucos
Por em seu direito soltarem o berro
De querer por fim emendar este erro
E tornar sã esta terra de loucos

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ontem

Ontem acordei mais do que uma vez
E vi na janela o meu meio reflexo
Pensei como é que eu sou, talvez
Não sei se tão simples ou tão complexo

Acordei de um sonho cheio de arte
Tentei decifrar a turva mensagem
No cinza acordar fui notar o aparte
Que pinto sozinho a minha paisagem

E tudo era igual, ao dia anterior
Mais uma volta no ciclo da gente
Que roda e roda sem nenhum fulgor
Se deixa levar por qualquer regente

Os mesmos feitiços na caixa mágica
O mesmo olhar em suspiros meus
A mesma mensagem, sempre trágica
As mesmas bombas em nome de deus

A mesmas intermináveis filas
E conversas inúteis, sobre nada
As mesmas modas e suas pupilas
Os mesmos trapos à face da estrada

Os mesmos que vivem com muito de tudo
E outros que caem nos seus artifícios
Mas já em mim este facto é mudo
Só penso em matar os meus próprios vícios

Foi ontem o quase diferente
Mas quase é nada quando o falta
Mudar quase tudo é tão urgente
Quanto é urgente morrer a ribalta

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sem Alma

Quando saio à rua, e olho a paisagem
E vejo no que tornou o tempo, a gente
Rara é a libertadora aragem
Maciça é a vazia moda ardente

Todos olham para ela agora
Todos a querem à sua volta
São almas cegas felizes à nora
Temporariamente à solta

Pois o tempo queima o que arde
E o que arde muito não dura
Ainda o sol queima ao final da tarde
E já este rito passou de altura

Inteiros se entregam a esta ideia
Que veio de onde já ninguém pensa
Não interessa quem teceu a teia
Vestem-na e aceitam a ilusão imensa

Ao olhar para fora não sabem quem são
Nem da sua mão conhecem a palma
São cópias de gente feita de cartão
São parte integrante do triste padrão
Se o inferno estivesse in, venderiam a alma

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Velho Amigo

Meu querido velho amigo
Aceita a minha sentida mensagem
Trago peripécias que guardei comigo
Ao longo desta débil viagem

Desde a última vez que nos vimos
Parece que vários séculos voaram
E como estradas diferentes seguimos
Ares diferentes certamente passaram

Eu, tantas coisas deixei escapar
Tantas vezes me deixei seduzir
Alguns dias acabei a chorar
Alguns dias que acabei a sorrir

Tentei sempre me guiar pelos sonhos
Tentei sempre ordenar importâncias
Contudo quase sempre suponho
Ter sido vítima das circunstâncias

Tentei cultivar a espiritualidade
E acreditar no amor que não sinto
Podia dizer que é tudo verdade
Mas a ti sou sincero e não minto

Descobri que a gente é oca
E que a alma vale pouco ou nada
Diamantes e cirurgias na boca
Faz da pessoa mais uma ou amada

Já descobri as roldanas do mundo
E o que alimenta o seu diário ofício
Tanto é vil que por vezes me inundo
Em litros e litros e litros de vícios

Já percorri milhas e mil coisas fiz
E já aprendi que outras mil não as sei
Mas o que a minha consciência diz
É que me sinto onde comecei

Sinto que não sei nada meu caro
Mas na minha mente persistes
Lembrar-me de ti é um amparo
Mas subitamente reparo
Que já não sei se existes

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ela

Ela assombra-me quando já a esqueci
Volta para me lembrar que existe
Quando já não me lembro que a venci
É quando a derrota de súbito persiste

Ela assombra-me a meio da tarde
Ela assombra-me quando me sinto normal
E quando a dor da vida em mim arde
É quando ela é mais feroz e carnal

Ela assombra-me em dias de vento
Ela assombra-me em dias de azar
Constante, torna-se o maior tormento
Perdura nos anos por mim a passar

Ela assombra-me nos sonhos mais profundos
Ganha vida em mim, onde pensei não a ter
Ela assombra-me em todos os meus mundos
Que crio para tentar deixar de a ver

Ela assombra-me e faz-me sentir inerte
Faz-me arrepender o que outrora não fez
Faz-me sentir que lágrimas verte
Ela assombra-me sempre mais uma vez

Ela assombra-me até neste verso, sim
E sinto em mim o meu eu duvidar
Se fui eu quem criou esta Ela em mim
Se vai viver comigo para lá do meu fim
E me vai assombrar quando a vida acabar

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A minha fé

A minha fé é um dia cinzento
Que nunca passa, que nunca muda
Sem amanhã que finde o tormento
Sem vento ou chuva ou algo que me acuda

Um dia eterno, e eternamente inerte
Parado no tempo, estendido na estrada
À espera de um trovão que caia e liberte
A minha alma, sem crenças em nada

Já foi morna e suave a brisa do dia
Quando era tenra a minha razão
Depois as questões que o tempo traria
Desencobririam a grande ilusão

E assim espero o predito sinal
E olho a paisagem sem movimento
Sem cor e sem som e sem nada de mal
No dia oco de bem e alento

Espero preso no desespero da espera
Que me restaurem a fé em sonhos só meus
Espero o fim desta cinzenta era
Espero para sempre o toque de um deus


Dedicado ao meu amigo Samuel.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Todos morremos jovens

O meu corpo tem sono somente
Mas a minha alma nunca dorme
E belisca o meu ser dormente
A cada medo que me consome

Mas à face da eternidade
Todos somos um ponto de nada
Na hora da única verdade
Ninguém dá pela morte atrasada

Além de sentir os medos banais
Certos são os que não vou evitar
O medo de morrer cedo demais
O medo de deixar de te amar

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Chuva

Hoje acordei e cheirei a chuva nova
A chuva que já não vem cedo
O Sol já me puxava para a cova
Já vertia suor, sangue e medo

Anda a mim chuva dos céus
E leva contigo o lixo da alma
Inunda a minha cidade de réus
Julga todos, não poupes vivalma

Quero mil litros por todas as mágoas
Quero a cidade submersa , é urgente
Prefiro afogar-me nas tuas águas
Do que na lama que jorra da gente